entrevista Joana Pereira

Arte na Fotografia

De que forma é que a Arte e a Cultura estão presentes na tua vida?

Acho que a arte e a cultura, de certo modo, sempre estiveram muito presentes na minha vida. De várias formas, desde música, literatura, cinema, até à fotografia. Desde pequena que queria ser artista, mesmo que não tivesse um caminho bem definido, a música/ espetáculo, era o que mais gostava de fazer. Acho que a minha forma de “fazer” arte se foi adaptando, assim como eu fui crescendo, e hoje a que mais me identifico, e a que me vejo a fazer a longo prazo é a fotografia.


Que tipo de Arte ou forma Cultural mais mexe contigo, que mais te diz algo?

De certo modo, todas me tocam à sua maneira. A música sempre me impactou muito, é algo que gosto que faça parte do meu dia a dia, acho que torna a vida mais poética e bonita. É mais bonito viver com uma banda sonora. A fotografia é algo que gosto muito de fazer, é o que me faz querer ser muito boa, seja lá o que isso signifique, nem sei bem.    Na fotografia, fascina-me o facto de algo estático conseguir transmitir-me tantos sentimentos, e transportar-me para outros lugares. O que gosto mais na fotografia é de poder imaginar, não há limites, o fotógrafo dá-me um sneak peak, e eu faço o resto do filme na minha cabeça, mesmo que isso não corresponda à realidade, ou à intenção do fotógrafo. Eu gosto de controlar as coisas, por isso,
ver um frame e deixar a imaginação levar-me para os locais, para as pessoas, para os sentimentos, é algo muito especial para mim.

“In photography there is a reality so subtle that it becomes more real than reality.
- Alfred Stieglitz

Porque  é que a fotografia te diz tanto? Tens exemplos de como influenciou a tua vida, noutras áreas completamente diferentes da arte em si?

A fotografia é algo que me inspira e entusiasma. É algo no qual me perco a fazer. Quando pego na máquina torno-me numa pessoa focada, o que muitas vezes, no meu dia-a-dia, é difícil. Gosto de fotografar porque gosto de controlar as coisas à minha volta.
Sinto-me no controlo da máquina, da situação, e isso é bastante prazeroso.

“Também gosto da sensação
de poder guardar certos momentos, de eternizar certas coisas e pessoas. Tranquiliza-me, porque eventualmente tudo tem um fim, e há coisas que eu não quero perder.”

Também gosto da sensação de poder guardar certos momentos, de eternizar certas coisas e pessoas. Tranquiliza-me, porque eventualmente tudo tem um fim, e há coisas que eu não quero perder. Gosto de fotografar porque estou constantemente à procura de coisas bonitas, apelativas, cenários, enquadramentos. É como se vivesse numa busca constante pela fotografia perfeita, mesmo que às vezes não a consiga concretizar, guardo-a para mim,
e fico feliz

Quando é que consideras que a fotografia entra de facto no espectro da arte? É preciso trabalhar um conceito por trás, ter uma mensagem forte, ou ser manipulada [a fotografia original] de alguma forma?

Não é qualquer fotografia, tal como qualquer música ou pintura, que por si só possa ser considerada uma forma de arte. Acho que o que pode ou não ser considerado arte, é uma questão muito pessoal, varia de pessoa para pessoa. Eu associo muito a arte à beleza e aos sentimentos, por isso, regra geral, tudo o que é bonito e me faz sentir algo, entra no meu espectro do que é arte. Acho que a arte está no olhar do espectador, há muitas coisas que consideramos arte,
e que não foram feitas com o intuito de o serem. Por outro lado, temos também coisas que foram feitas com um propósito artístico, e que por algum motivo não consideramos arte. É muito subjetivo.

A fotografia, é uma arte relativamente recente, mas ainda assim muito complexa, e muito técnica. Acho que se encaixa na arte de várias formas, seja pela parte técnica, pela parte visual, pela composição, pela
pós-produção. Lá está, acho que é muito subjetivo. Não acho que seja sempre preciso ter um conceito para se fazer arte, às vezes temos de deixar as coisas fluírem e falarem por si, seja com a fotografia, ou com qualquer outra expressão artística. Também não acho que é preciso uma mensagem forte para se fazer arte, nem tudo tem que nos deixar sem fôlego, às vezes tem apenas de nos deixar respirar.


Porque é que, para ti, a fotografia pode ser uma boa forma de representar, dar vida, consciencializar para determinadas questões sociais?

A fotografia é uma arte que pode ou não ser manipulada. E quando não é manipulada é um grande instrumento de representação, ela representa, sem tirar nem pôr, uma realidade, um segundo específico no tempo, um acontecimento. A fotografia chega, onde o “comum” cidadão, não consegue, e por isso, é para mim uma das melhores formas de dar vida, e de consciencializar sobre questões sociais, questões que nos são distantes, como a guerra, a fome, etc.

Por isso, sim, acho que é uma ótima forma de consciencializar, quando não é manipulada.

“(...) a arte está no olhar do espectador, há muitas coisas que consideramos arte, e que não foram feitas com o intuito de o serem. Por outro lado, temos também coisas que foram feitas com um propósito artístico, e que por algum motivo não consideramos arte.”

Dirias que as tuas relações pessoais e forma como te “mostras” às pessoas, e mesmo a perceção que tens dos outros, é influenciada por algum tipo de Arte ou pelo mundo artístico?

Não me acho uma pessoa visualmente muito artística, não sei se as pessoas têm essa percepção, nunca perguntei. Talvez a forma de me apresentar seja influenciada pela fotografia, sim. É a minha profissão,
o que gosto de fazer, e por isso, falo muitas vezes sobre isso.Acho que molda, sem dúvida, a percepção que tenho dos outros, isto porque sou muito observadora, reparo em tudo, ando sempre à procura de imagens em todo o lado, de coisas bonitas, sem querer vou apanhando pequenas coisas que a maior parte das pessoas não nota, expressões, comportamentos, detalhes… São muitas dessas coisas que me fazem,
ou não, querer estabelecer ligações pessoais.


E a pessoa que és no dia-a-dia, as decisões que tomas para a tua vida?

Acho que são (decisões) sem dúvida uma reflexão daquilo que gosto
e daquilo que faço artisticamente, porque o que observo e consumo artisticamente, e também o que produzo neste sentido, moldam a minha perspetiva sobre o que me rodeia e por sua vez, a forma como absorvo o que me rodeia. Aprendo um bocadinho todos os dias com a fotografia, e isso é algo que carrego sempre comigo, e consciente ou inconscientemente é algo que influencia a minha vida. Neste momento, sinto que vivo um bocadinho para a fotografia, trabalho num estúdio, e à noite estou a tirar um curso sobre fotografia, o tempo que tenho livre em que não estou em contacto direto com a fotografia é muito pouco. E mesmo quando não estou em contacto direto, estou sempre a pensar em cenários, em enquadramentos interessantes que vou vendo pelas ruas. É um bocadinho difícil para mim separar a arte da vida, porque é difícil não ver beleza em quase tudo.

"(...) o que produzo molda a minha perspetiva sobre o que me rodeia e por sua vez, a forma como absorvo o que me rodeia.”

“A Arte é tão importante como a Medicina?”
Quando questionamos a importância da Arte e da Cultura no dia-a-dia, faz sentido comparar a Arte com uma ciência? Ou com alguma “disciplina” que tenha um impacto mais concreto e “observável” na vida das pessoas?


Claro que sim, acho que a arte é uma coisa que damos como garantida, que não damos valor, seja música, televisão, fotografia, cinema, etc. Está tão presente na nossa vida, que nos esquecemos que ela lá está,
é um bocadinho como o oxigénio, raramente nos lembramos dele, mas não viveríamos sem ele. Acho que as expressões artísticas que compreendem a arte, podem ser bastante científicas, o problema é que nem todas as pessoas estão dispostas a estudá-las, ou sequer têm esse interesse. Quem está no meio artístico geralmente tem alguma formação, e sabe que é preciso ter formação, ou pelo menos saber o que se está a fazer. Mas acho que a opinião das pessoas que não se interessam muito, é que as coisas surgem e pronto, não têm muita ciência por trás, nem muito planeamento, e isso está totalmente errado. É aí que começa também a desvalorização, como não conhecem o que pressupõe, a logística, o conhecimento, os instrumentos, não vêem valor.


Dirias que a arte deve ter sempre uma intenção de fazer pensar sobre uma mensagem importante? A Arte tem valor quando existe apenas pelo seu sentido estético?

Não, nem sempre, às vezes só precisamos de apreciar, sem muitos pensamentos ou reflexões.  Acho que há arte que não tem valor estético, e continua a ser relevante, lá está, acho queno conceito de arte há espaço para muita coisa. Depende muito do gosto, e da interpretação de cada um.


E a padronização e comercialização excessiva de uma forma específica de arte, achas que podem trazer aspetos negativos na forma como essa mesma arte passa a ser consumida ou percecionada pela sociedade?

Não acho que a padronização e a comercialização tragam aspetos negativos, porque é assim que os artistas ganham dinheiro, e é importante que a arte seja uma coisa paga, isto porque é preciso dar mais valor aos artistas e à arte em si. Se todas as formas de arte fossem mais comercializadas, talvez existisse espaço para mais artistas e pessoas conseguirem viver da arte, e daquilo que gostam realmente de fazer. Acho que é um bocadinho um preconceito humano que aquilo que é muito usado perde valor, acho que não tem de perder, o problema é que o nosso estilo de vida se tornou tão acelerado, tão rápido, que tudo perde valor muito rapidamente, seja comercializado ou não, seja arte ou não. Acho que o problema está em nós, e não na arte em si.

Quais as tuas maiores referências na fotografia, e que autores ou trabalhos recomendarias a outra pessoa, para explorar?

Algumas das minhas maiores referências/fotógrafxs favoritos são Nan Goldin, Sally Mann, Ren hang, Francesca Woodman,
e Robert Mapplethorpe. Autoras que recomendaria a outra pessoa seriam sem dúvida a Nan Goldin e a Sally Mann, foram duas das artistas que me fizeram apaixonar pela fotografia.
É algo que não tem muita explicação, mas têm trabalhos com os quais sinto uma conexão bastante forte.